Perto de completar um ano à frente do complexo termelétrico Jorge Lacerda (de 857 MW), em Santa Catarina, a Diamante Energia espera sair o contrato com o governo brasileiro que irá assegurar a continuidade da operação das três usinas a carvão até 2040.

O acordo é fruto de uma lei federal aprovada em janeiro passado com o objetivo de manter a atividade carbonífera em Santa Catarina, a qual gerou reações entre ambientalistas e sociedade civil por se tratar de uma fonte de energia poluente.

Nesta entrevista, o CEO da Diamante, Pedro Litsek, conta à BNamericas porque, na sua visão, a lei é importante e quais são suas contrapartidas, analisa o futuro da geração de energia a carvão no Brasil e detalha outros projetos em desenvolvimento pela empresa.

BNamericas: Como você avalia este quase-primeiro ano de administração do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, após a aquisição fechada com a Engie em outubro de 2021?

Litsek: Foi um ano de grandes desafios, porque saímos de uma estrutura em que havia um apoio corporativo muito grande da Engie. Toda a parte administrativa, financeira, de TI, RH era gerida pela Engie, e nós tivemos que assumir essas atividades. Então, fizemos um contrato de serviços com a Engie enquanto estruturávamos nossa área financeira e contábil. Agora, estamos em processo final de desvinculação de tudo que era Engie.

Um segundo desafio foi começar a imprimir a nossa identidade não apenas junto aos funcionários que ficaram, em sua maior parte, mas para a sociedade de forma geral. Temos buscado estar presentes junto aos stakeholders, poder público, empresariado e à comunidade.

BNamericas: O carvão se tornou, nos últimos anos, um vilão ambiental. E, com o avanço das fontes renováveis, vinha reduzindo drasticamente sua participação na matriz energética global. Isso, no entanto, mudou com a turbulência geopolítica e a preocupação com a segurança energética. Qual o futuro da geração termelétrica a carvão no Brasil?

Litsek: Da forma como fazemos atualmente, o carvão não deve subsistir. O carvão tem uma produção de CO₂ considerável, portanto temos que buscar outras formas de geração de energia. Precisamos fazer a transição energética e, hoje, nós vemos o gás como combustível de transição. No futuro, talvez o próprio gás se transforme em um vilão, ainda que não no nível do carvão. E algum dia o gás vai acabar, então temos que encontrar outras formas de geração de energia despachável para poder, no futuro, ter uma matriz mais sustentável.

No entanto, neste momento de turbulência internacional, temos um energético nacional, precificado em reais e que não sofreu reajustes ao longo de 2022, enquanto o GNL chegou a mais de 30 dólares por milhão de BTU (unidades térmicas britâncias).

Outro ponto que temos que considerar é que, em algum momento, a captura de carbono começará a ser viável, tanto do ponto de vista técnico como econômico. Se for possível capturar 100% do CO₂ emitido, o carvão pode seguir como uma fonte de geração de energia possível. Daí o fato de nós e outros players mundo afora estarmos investindo em captura de carbono.

BNamericas: Em janeiro passado, o governo federal aprovou uma lei prorrogando os contratos das usinas de Jorge Lacerda até 2040. Foram estabelecidas contrapartidas, como investimentos em modernização das instalações e soluções para mitigar impactos ambientais?

Litsek: Esta lei tem um viés muito social porque a ideia é que, em vez de encerrar as atividades abruptamente em 2027, faremos um processo organizado de transição energética nos melhores moldes internacionais a fim de encerrar as operações em 2040 com o mínimo de impacto social.

Hoje, existem 20 mil pessoas direta ou indiretamente empregadas pela operação do complexo, considerando-se a usina, as mineradoras e a ferrovia. Nossa obrigação é manter o complexo operacional até 2040, consumindo o volume de carvão que consumimos hoje e aplicando 100% dos recursos de pesquisa e desenvolvimento em processos relacionados à transição energética. E já estamos fazendo isso antecipadamente, desenvolvendo projetos de captura de carbono, por exemplo.

Para que tudo isso aconteça, tem que haver a assinatura de um contrato de energia de reserva, para que tenhamos as receitas necessárias para participarmos do processo de transição energética. A lei prevê que o complexo será contratado, e quem está à frente disso é o Ministério de Minas e Energia. Não haverá um leilão. O que imagino é que vamos usar algum formato de contrato semelhante aos dos leilões regulados, com seu valor definido com base em algum indicador ou benchmark nacional ou internacional.

BNamericas: Qual é a previsão de quando o contrato será assinado?

Litsek: Precisamos que ele seja assinado este ano para fazermos investimentos essenciais à extensão da vida útil do complexo, além da modernização e aquisição de equipamentos. A parte de mineração também precisa fazer investimentos, e esses são processos que levam anos.

BNamericas: Como a energia de Jorge Lacerda está sendo comercializada hoje?

Litsek: Vendemos em contratos bilaterais no mercado livre[não regulado]. Temos o benefício da CDE [conta de desenvolvimento energético], que nos reembolsa uma parte do gasto em carvão; então, com isso, conseguimos ter preço competitivo para participar deste mercado. O benefício da CDE não é apenas para nós, mas para a indústria carbonífera de Santa Catarina.

BNamericas: Como foi a atuação de Jorge Lacerda durante a estiagem de 2021?

Litsek: Ano passado produzimos muito mais energia do que o inicialmente previsto. A CDE limita o ressarcimento a 2,4 milhões de toneladas por ano, sendo que, em 2021, consumimos umas 150 mil toneladas a mais.

Fizemos um estudo sobre o custo da operação de Jorge Lacerda para o consumidor entre 2012 e 2022, para verificar qual teria sido o custo para o consumidor se Jorge Lacerda não existisse. A pesquisa mostrou que nós economizamos para o sistema R$ 15 bilhões, o que atesta a importância do complexo para o sistema nacional.

BNamericas: A Diamante pensa em investir em outras fontes de energia no país?

Litsek: Temos, hoje, iniciativas envolvendo gás natural em Santa Catarina e estamos olhando para potenciais projetos em outros estados.

Adquirimos um projeto desenvolvido pela Engie, que é uma termelétrica a gás no norte de Santa Catarina, no município de Garuva. Este empreendimento está muito próximo de onde o novo terminal da New Fortress Energy [Terminal Gás Sul] se conecta com o Gasbol [gasoduto Bolívia Brasil].

Cadastramos este projeto em leilão, mas ontem saiu a notícia de que o A-6 foi cancelado. De qualquer forma, temos o leilão de capacidade de reserva adiante.

Além disso, estamos licenciando um projeto aqui dentro de Jorge Lacerda que seria abastecido via Gasbol.

BNamericas: Vocês pensam na possibilidade de converter Jorge Lacerda para o gás?

Litsek: Isso não faria sentido, pois não é eficiente, até porque se trata de uma usina que já tem uma certa idade. Mas utilizar o terreno e o potencial humano que tenho e as linhas de transmissão que já existem faz todo sentido.

BNamericas: Algum comentário adicional?

Litsek: Um ponto importante é a questão da transição energética justa. Há muitas iniciativas de governos nesse sentido. Na Alemanha, na região do Ruhr, isso foi feito de forma muito organizada, com impactos sociais muito reduzidos. Temos que olhar Jorge Lacerda com essa missão de levar adiante um projeto de transição energética justa que tenha um grande viés social, sem fechar as portas e deixar 20 mil pessoas sem atividade econômica.

Matéria da revista eletrônica BNamericas

Link: https://www.bnamericas.com/pt/entrevistas/a-transicao-energetica-justa-da-diamante-energia-no-brasil

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